Wednesday, August 28, 2013

A unilateralidade das coisas

Quase tudo o que  criamos é unilateral
Já tudo o que a Natureza cria é plural na sua essência.
Talvez a origem da imperfeição humana, seja esse ser unilateral.
Na arte, porém, quando arte realmente é, essa pluralidade se mantém,
atingindo portanto o inatingível de explicar.
Podendo ter utilidade ou não, tem essência, como tudo o que surge naturalmente.

Nossa multidão humana cria a confusão própria do homem que subjuga outros, seus iguais.
Mas na multidão do que se é natural, cria-se a pluralidade da diversidade.
Tendo cada parte da comunidade a sua função, sem necessidade de qualquer explicação.

Parecemos mais humanos quando partimos do que é Uno, do que nos sai de dentro, do que é único e pouco distorcido por massas,
e só dessa liberdade auto-induzida podemos ver realmente o nosso lugar em relação a tudo o que nos rodeia.
Precisamos ver, temos necessidade disso.  Não apenas como instinto, mas como escolha consciente em manifestar a nossa percepção.
Isto nos reconduzirá à humanidade.

Nós nascemos humanos alimentados de um seio, seres tão vulneráveis e dependentes de outros e ao mesmo tempo tão livres como uma folha que lentamente se descai de uma bela árvore no Outono.
Mais tarde, a mente intervém, e com ela intervém toda uma sociedade que sendo altamente competitiva, se consome do que mais humano existe em nós, como um cão que morte a própria cauda até morrer.
Porque ela mantém-se de hierarquias e alimenta-se de criatividade.
A hierarquia que destrói e a criatividade que cria.
 Portanto propaga-se do que nos mata e alimenta-se do que nos tornaria vivos,
o oposto do que faz a natureza, que é mãe.

Cria-se assim, esse ser unilateral, consumista, nem nado vivo nem nado morto.
O ser estagnado que meramente repete o que o "mestre" lhe diz, dispõe de pouca oportunidade para uso prático do seu intelecto.
 Esse ser que a si e aos seus apenas considera civilizado.
Esse ser que assistindo à sua vida num ecrã lembra-se que está vivo apenas em alguns minutos legalmente autorizados. 
Tão longe do que é humano parecem nos quererem fazer viver sobre o pretexto e um progresso de insatisfação sem fim. E o pior, que formato vil este que nos fazem querer assumir, sob o pretexto de uma inexistente normalidade...

Até que ponto teremos escolha?
Até que ponto saberemos viver para mantermos nossas escolhas?
Até que ponto saberemos permanecer a escolher quando pouco lembramos do que realmente é viver?
Como sair desse sono profundo?




Friday, August 23, 2013

conexão (escrita automática)

Quando a conexao não tem razão de ser
O ser só tem a razão ao ser conectado
Surge essa emancipação do querer criar além do que esta a mão

E da mão do que foi por nós criado surge o amor e a paixão
da compaixão de quem a si mesmo não ama,  nada surge senão o fazer-se chão
porque o chão é o terreno que se deixa brotar para dali retirar-se a si mesmo

Num todo que mais não passa do que nada
Só do único se retira alguma verdade
Na busca do coração de alguma humanidade na vida
Surge repartida a necessidade de ver e crer
Pois o que se pode ver quando tudo esta escondido?

O melhor é iluminar apenas o necessário,
e deixar o resto descansar,
da vida retirar o fazer-se ser mistério

Wednesday, August 21, 2013

Tua visão

Tu estavas ali
Estavas ali e eu não via...
Estás nas fotos em que eu não estou
Eu estou nas fotos em que não estás

Mas estavas ali, quando eu pensava tu eras o meu pensamento
Quando eu falava, era como se ouvisse um presente de ti mesmo
Quando eu cantava era a ti que cantava sem querer

Foi como quando eu nasci,
eu nasci da necessidade de fazer-me tua
Na perfeição de cobrir o que em ti estava desfeito
Na luz de tapar a tua escuridão, eu fazia música dos teus dias de chuva

Tu estavas ali,
quando eu chorava era para fazer-me a ti leve
E para que o choro saísse e eu com a água que me cobrisse me abrisse em flor

Sonhaste-me por isso sempre fui ser criado
Sempre soube de mim toda imaginada,
minha identidade é a nuvem que minha mente torna habitada
só para a ti parecer toda enfeitada

Foi no mar que soube, no mar quando me agarraste
Quando eras Mar e eu era Lua
Juro que tive a visão

Sempre estiveste perto enquanto eu crescia
Mesmo enquanto meus pulmões se enchiam do ar que foi me dado
eu sempre fui da vida que se cumprirá em ti.




À minha volta

Rezar e não sair mais dali
Escrever cópias como se da vida só houvessem cópias do partir
Cantar em voz alta os cânticos dos sonhos incumpridos em si
Escutar os gritos de mais vidas exploradas e sentir que tudo está contra si
Carregar os prantos de uma vida inteira...

Escolher viver todos os perigos da vida numa busca por si mesmo
Sofrer por nossa boca quando vemos que a boca realmente não sente o que diz
Escolher se esquecer da vida porque se pensar que a vida de nós se perdeu
Preferir abdicar da própria satisfação em prol de uma vida que valha a pena viver

Tocar música apenas para atingir sozinho a música do coração
Desistir dos sonhos porque não fazerem parte da vida que se escolheu
Ter que transparecer  forte porque o  seu posto de trabalho assim o assumiu

Ver o mundo que anda e desanda em mais um dia
No seu tempo que só seu parece ser
Porque o tempo da natureza sem querer decidimos fazer por esquecer

Ver o mundo que continua na esperança de todos os sonhos cumpridos
Ainda mais ansioso por ver todos os sonhos ainda por cumprir
Ver os sonhos à porta da obra do artista que espera
que o mundo seus sonhos escolha para fazê-los cumprir.

Precisamos viver para podermos escrever
Precisamos saber viver para nós mesmos,
É atar-se ao coração esperando que a brisa certa lhe trespasse

Fazer um desejo num silêncio de um altar
e não permitir de propósito que o desejo se concretize

Foi como quando eu soube que chegarias, já não queria que chegasses
Porque sabia que o meu lindo sonho de ti de mim se esconderia
Foi como quando tu partiste,
e mais presente passaste a estar em cada segundo da minha vida,
na cor da tua ausência minha vida agora se definia

Foi assim, que só quando só e triste fiquei
a pena que sozinha já não podia voar a mim se uniu
E na minha escrita voltou a deixar-se voar
Indo  eu com ela até que todo o pranto do mundo possa acabar
e até eu ser capaz de dar novamente cada migalha de mim por mais um sorriso.





Wednesday, August 14, 2013

A defesa do poeta

A defesa do poeta
Natália Correia
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em criança que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e Sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa


Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.

Tuesday, August 13, 2013

ranhuras

Eu trabalho no submundo, aqui onde a parede discretamente se racha,
lentamente procurando o chão
de antigos tempos de repressão aos fracos
elas falam por sua libertação

Aqui, onde as palavras humilham medos fundos do povo
e onde os que podem se gabam de nada
 Eu trabalho onde à entrada,
carros só passam aos montes e fugidios como se adivinhassem
o que ali mora ao lado
 E a entrada, a mim se mostra escura

Eu trabalho, aqui onde pessoas trabalham sem sonhos,
onde outras trabalham com sonhos camuflados
onde outras tantas trabalham para esquecer da vida e do que é viver

Eu trabalho, e o meu trabalho representa todo o trabalho que se presta sem sentir
Onde não se trabalha muito, mas representa-se com fartura,
como na vida que se desfaz em retratos
do que se poderia ser se se tivesse mais coragem de dar a vida quem se é

Eu trabalho, e no meu trabalho eu estou e não estou
E quero e não quero,
Eu faço e fora desfaço
Eu digo e fora disdigo
Eu choro para mais tarde sorrir
Eu riu por dentro e por fora mostro que temo

Na verdade, eu trabalho para ninguem
Senao para sonhos muito bem guardados
que se escondem nas brechas que as ranhuras da parede do escritório escondem
procurando o chão para que se façam grandes
dum sítio que existe só por razões que cheiram a mofo do passado,
os meus sonhos tem a cor das pétalas de uma flor que acabou de abrir.