Thursday, September 26, 2013

doce

Mais um dia em que o trabalho estrupou-me a alma
e vi todo o doce que eu tinha, a jorrar

Mais um dia em que minha alma atirou-me contra o céu violentamente
Condenando-me ao pranto que houvesse para toda a terra molhar

Mais um dia que é dia de respirar sendo vento
dia de divagar na solidão
dia de cavar no fundo do poço até ao fim do mundo
até de lá se extrair o nada

Neste dia que é dia de lágrimas
secas, caladas, coladas a cara
Dia dos bonecos de sorriso trivial
Sufoca-se um pensamento que diz
«Tudo o que eu quero é poder mostrar-me feia,
em dor, em angústia, só na verdade do que agora sou»

Lástima, queixume, nada disso vale a pena
Só o destruir dessa superfície,
o destruir de toda a aparência de tudo o que possa aparecer
Enterrar tudo para fugir a toda a confusão da luz do dia

Estive todo o dia a espera da noite
e quando a noite chegou,
eu esperei até que de mim me perdesse completamente
arranquei-me do peito, esfolei-me lentamente
e retirei-me de mim, cavei-me toda em dor,
para da esperança poder retirar novamente quem sou

Acorda-me

Acorda homem cheiroso,
Vira-te de vez para mim, não estejas de costas
Não estejas próximo assim
tão perto na distância de um sonho meu

Mexe-te, apronta-te, que pronta estou eu
Aqui, vestida de flor,
Com violetas em cabelos

Já te vi,
e vejo-te na minha estante de livros
No cheiro do mar, no cheiro do azul do sonho

Apressa-te, homem das esquinas, dos cafés,
dos bosques, homem pouco concretizado
homem humano, desengonçado
Que fora a tua amiga errante, verás que ninguém mais te espera

Eu, que nem a mim me reconheço, que de mim  mesma ando escondida
Que de mim me desanimo, só na tua presença lembro quem sou
E quando a mim te virares nessa visão do sofrimento é lá que estou

Homem, lembra que tu sou eu, mas eu não sou tu,
eu sou do mundo, eu pari o mundo e por isso
todo o mundo adormece em mim
tu és o único que ainda não nasceu de mim,
o único homem que me mantém nutrida, não estás

homem dos meus sonhos ociosos
acorda-me do meu próprio sonho de mim
acorda-me desse sonho que é a vida
tão pouco sentida,
acorda-me
que quero é ser só dessa tua sensação
Que ser para mim é só isso

Friday, September 13, 2013

Autorizado

Pode dizer tolices para sobrepor-se socialmente
Não pode ser excêntrico
Autorizado a não ser inteligente
Apenas autorizado a falar nonsense

Não autorizado a estar só e sim parado
Autorizado a esbanjar, socialmente
Autorizado ao vestir bem, socialmente

Ao trabalhar, é-se autorizado a gastar
Autorizado a não pensar
Autorizado a conviver socialmente assuntos socialmente aceites

Estudante, autorizado a repetir e decorar
Autorizado a esquecer depois
Não é autorizado a pensar sozinho
Autorizado a comer mal
Autorizado a ter muitos gastos financeiros e dormir pouco
Autorizado a vestir-se conforme quer, enquanto pode

Agora não, agora sim, agora sim, agora não, agora posso, agora não posso,
agora faço, agora desfaço, agora faz sentido, agora não faz sentido, não pensar,gastar, não gastar, pensar, comprar, esquecer, viver,

Fazer parecer que a vida esqueceu o que era viver
o imaginário de todos roubado na rua
os sonhos a sonharem com a vida enquando pagam só o acto de sonhar
o que há em saldos escancarado para quem quizer visualmente consumir
é uma puta de rua um sonho de cada um sem valor

escancarar a pureza para parecer lixo
escancarar a sujeira para nas compras confundir-se com ouro
Eu lembro que quando viver era esquecer, deixava-se tudo por
natureza
corpo nu
e chão

Não sei de onde lembro isso,
devo ter algum sonho ainda bem guardado...
mas não mo roubem por favor,
eu sei que ele não foi autorizado...

NICK CAVE - Leonard Cohen's Suzanne

tuneglue

Leonard Cohen - Dance Me to the End Of Love

Thursday, September 12, 2013

fotografia

Hoje tirei fotografias para quando eu for velhinha,
para quando eu for velhinha eu lembrar quem eu era.
Não mostram maquilhagem, nem roupa, nem sapatos, só eu
São para mostrar expressões, alma, sonhos, paixões e dor
Que a imagem tenha a gentileza de mostrar

Ser vulnerável por ser humana, não é vergonha nenhuma
Mostrarei a mim mesma que sempre fui humana quando for velhinha
E lembrarei que nunca soube viver, só para manter algum mistério na vida
E que nem sempre fui feliz...
Por isso, gosto desta foto simples assim, para a pessoa que sempre espero ser


Sou aquela a quem foi dada a chave do céu, e no mundo a chave perdeu
Se me despeço do mundo, é porque de mim o mundo se despedia enquanto eu nascia
Quando me fiz nascida, toda auto-construída de bocados que se recriaram em mim

E assim, foi todo o mundo que pari.
Agora, nem interessa mais quem teria sido, se tivesse vindo de mim.
Porque agora esta que sou, qualquer um pode ser
Daí jaz minha certeza na vida,

Minha filosofia não foi vivida,
dela só saberei antes de morrer,
terá sido na minha própria vida que ela se definia
Até lá, a vida que faça o favor de se reconhecer em mim
e eu que faça o favor de me oferecer a ela
como todo o bom sonhador, que me disfaça onde quer que for
Porque o sentido é não ter sentido nenhum
E todo o sentido é só uma limitação.

Ouço agora a música que amo,
mil vezes se tiver que ser,
como naquele filme que vi, a personagem fazia
Talvez assim, a música decida inscrever-se em mim
E eu possa virar de vez poesia,
a poesia de uma antiga lágrima esquecida.

Sunday, September 08, 2013

"NO GMO" by Paul Izak and Seeds of Love

Será que ainda é possível viver?

Porquê haveria eu de trocar a vida real por algo imaginado em filmes tão longes da realidade?
Por algo imaginado em telenovelas que retratam vidas tão distantes economicamente da minha?
Porque não me dou eu ao luxo de concretizar minhas próprias fantasias?
Realizá-las em vez de ficar sonhando num filme sem contexto real?
É socialmente aceite viver assim, fingindo que vivo, assistindo ao que a minha própria vida poderia ser num ecrã... a questão é que não quero.

Podia estar a lutar mais por uns tostões, como tantos que conheço, matar-me a trabalhar por um sonho de liberdade no fim do consumo. A questão é que não quero.
Podia estar a matar-me a trabalhar, por um futuro próximo sem fazer nada, só consumindo.
A questão é que queria ser a questão da minha própria vida, e viver uma vida real.
Não ser a questão apenas de uma empresa qualquer, de um banco, ser um numero numa multinacional, em troca de uma coberta de cetim.

 É socialmente aceite ser assim,
eu não me sinto socialmente aceite as vezes, as vezes se eu disser o que penso vão dizer que sou metida a intelectual, vão até mesmo desconfiar de mim no trabalho.
Ou se eu disser que eu quero trabalhar no futuro, vão dizer que eu sou estúpida e não tenho ambição.

Mas eu tenho ambição, tenho ambição de toque, de sensibilidade, de amor, de amizade, de loucuras e aventuras. E se eu quiser vive-las ao invés de apenas assisti-las?
Será que vou ficar sem reforma quando for velhinha?

Quero a vida, por isso escrevo, por isso faço segredo de quem sou, esperando que alguém especial possa descobrir.
Por isso gosto das coisas secretas e não das coisas caras vendidas como luxo, que parecem ser feitas por criancinhas a chorar.
Até quando sentirei que não compreenderiam se eu explicasse?
Vejo outros que trabalham para ficar ricos, gostava de dizer que não vão enriquecer a trabalhar mas não tenho coragem. Seria cortar a imagem dos seus sonhos.
Os que são ricos, são os que trabalham menos, a custa dos que pagam os sonhos com o seu suor.

Por isso, prefiro o toque simples, o deleite aos ouvidos de quem preparado estiver para ouvir, sem fugir dessa realidade triste, saboreando a vida que eu própria tiver.
Será que ainda me será possível viver?
Será que sairei da lei?
Quantos milhões custará o meu silêncio?

 https://myspace.com/marianademoraes/music/songs

Masculino Feminino - Jean-Luc Godard (legendado em português)


 «Se você matar 1 homem é um assassino, se matar 1 milhão é um conquistador, se matar todos é deus.»

Wednesday, September 04, 2013

descrescer

Quero falar contigo criança
como criança igual a ti
Pela criança que nunca hei-de deixar de ser...

Facilmente farás o verdadeiro mundo aparecer
Dos mares, um mundo colorido à volta de tudo

Quero falar contigo criança, para contar-te meus sonhos
Quem sabe me ensines a sonhar mais além

Quem sabe, mesmo pensando que não consiga,
eu possa em vida voar também

Fingir que não existe esse mundo amargurado de crianças sem sonhos
que querem ser não sei o quê
E deles nem levar nada e nem querer saber...

Tudo o que eu sei, eu sempre soube
Tudo o que eu digo em berço eu já sabia que teria de dizer
Tudo o que eu vejo já confirma o que antes eu já sonhava sem querer

Que criança que é criança dorme tranquila,
porque crescer é desaprender constantemente
Vivendo numa  felicidade descontente

Quando aumentam os vendedores de ausências à porta
Seguem vendendo falsas almas a quem atento não viver

A mim,
enquanto eu vestida de criança estiver nada poderão ver
só por estar aqui desfeita em miúdos.


Tuesday, September 03, 2013

autenticidade

Não quero vida já vivida
Nem amor descrito em livros de romance
Não quero cor estampada
Nem discussões de novela tagareladas e repetidas

Quero uma autêntica vida
Um autêntico sentir, permitindo-me livre saborear
Rezo aprendendo com pássaros, com as aves, com o vento
a autenticidade do ser natural
Naturalmente, desnorteado, sonhado, acariciado, ingénuo, amado

Não quero filosofias e morais ensinadas,
Nem fobias adormecidas
Nem olhos pintados
Quero andar solta, selvagem
Constantemente permitindo toda a inconstância
Calada, aceitando a condição do momento sentido e não disfarçado

Cheirar o mar, permitindo que ele acalente, sem saber porquês
Receber teus braços apenas reconhecendo que fazem parte dos meus
Ser tua, ao ser de todos, aceitando fazer parte da paisagem de qualquer lugar.

ao aventureiro

Meu querido aventureiro
Ah como eu adorava ser como tu
Viajar para destino e chegadas incertas
Fotografar os berços mais belos de Portugal
e pelo caminho, me apaixonar por esse amor que vês em todo o lado

No meu canto, eu continuo assim,
escrevendo a paisagem que se habita dentro de mim
Presa a variadas moradas dum sítio só
Indo as vezes a Baixa, que para mim é o símbolo de todo o meu
nostálgico amor

Enquanto em minha melancolia,
tua imagem em mim sejam só essas fotografias de paisagens
eu amo-te só por seres nelas - esse amante nu da Natureza

Porque se amas a Natureza, com certeza minha alma hás-de amar
mesmo quando do mundo reflexo selvagem for
quando for como Lua que só quer escondida se mostrar

Amo a tua imagem que em mim criei de ti
e só de amá-la tanto, o mundo já me parece mais que berço dos prantos
até parece que sorri mais para mim.


pudesse

E se eu pudesse voar em minha cabeça?
E se eu pudesse ficar contigo quando me fosse embora?
E se eu partisse enquanto estivesse a trabalhar mais uma dolorosa hora?
E se eu cantasse no poesia de um silêncio teu?

E se eu brilhar a distância do céu só por mais um abraço teu?
E se eu desistisse de algo sem sentido parecendo que fiquei
e que simplesmente me tivesse rendido?

E se eu for bem mais do que pareço ser e até poder ser o mar?
E se tu vivesses sempre em mim sem que eu soubesse?
E se tu te abrigasses em meu peito e continuasses a me proteger?
E se tu me contasses as tuas histórias secretas para eu não decifrar quem és?

E se nós vivêssemos sonhando para termos forças para enfrentar o mundo tal e qual ele é?
E se nós construíssemos algo novo consagrando do passado o amor?
E se abraçassemos o nada enquanto pudessemos respeitar tudo o que vive?
E se tu fosses eu e se eu pudesse ser tu apenas para que nada mais nos dividisse?



Monday, September 02, 2013

fala da natureza



Sinto me na intima chama do vazio
Viajo por ausências onde desfaço-me em paisagens esquecidas
Grávida de momentos passados o silencio se veste em minhas vestes amigas

Gestos contam-me histórias de passagens em que passei destemida
Que falam mais de mim do que palavras foram capazes de dizer
Momentos de eternidade se alevantam
Dizem sons calados dessas noites de forças transmutadas em todas as cores

Porque a natureza fala a quem quiser ouvir
Veste-te e só se ela quiser é que has-de ser capaz de ouvir
Mas não há caminho certo como não há palavra sem distância a percorrer
E quem diz de si apóstolo mente aos tolos do sentir

Veste-te que eu te canto
E canto a quem souber de si rendido ao mar
Não canto a quem se veste mais não se despe quando eu peço mais
ouve os prantos de quem ao teu lado se atrave a me desejar
Sou mãe, sou ave, vem a mim
Na tua natureza só e sujo encontrarás
Assume tua natureza fraca de pouca duração
Pois só se assumires fraqueza encontraras a luz na desolação

o vento fala
o mar abraça
montanhas, como momentos de força

a lua grita
a noite transcende
as aves mostram tua liberdade como é
solitária e fragil

visto-me de ti hoje
porque do hoje tua sina se desfez em mim



Relação

Vou incendiar o grito que no peito escorre dessa profunda e insensata relação
E ser vida na escolha que se despe no orgulho de ver-se despido no outro
Em braços de desencontros, surge o abraço do choro eterno esculpido na casca rija do mito

Eu sou, como Venus, a deusa fresca e fatal
Que engole sem seco sem medo de ser pecado e ser original
Cuspo e me deito em ventre aberto a tudo o que possa advir
Sendo frutífera dos ventos e dos mares dos quais  sirvo o sentir,
quais disfarçados jardins do amor

Ando nua porque nua vivo
Ando fragil porque só fragil sou forte
ao encontrar meu seio alimentando famintos

Noite escura do breu do qual me fiz parida
Tudo é um breu nessa obscura e morta vida
Renasço porque posso e posso sempre renascer em morte

Oh doçura do coração amargurado não me persigas como se eu não te reconhecesse
Porque eu reconheço cada lágrima que se desfez de mim, cada uma delas sou eu

O canto dos corações que doem
A ferida da esquina de qualquer um
A alma ressequida em sangue e na dor de cada um
Oh dor só tu trazes o amor, de um amante sem fim
E das asas do infinito eu faço-me em broto para quem quiser nascer de mim