Monday, April 22, 2013

Dislexia textual

Ganhei dislexia as letras,
para mim um Pedro as vezes é quase o mesmo que um João,
e um Pereira é quase o mesmo que um Teixeira,
se for o nome de alguem desconhecido de alma e só conhecido de cara

Tenho dislexia as letras,
para mim os D´s são as melhores letras para começarmos uma frase
e não gosto tanto dos X´s ou dos Z´s se não quiserem dizer
coisas misteriosas que lia nos contos de fadas

Dessa dislexia,
Certas palavras para mim são mais que palavras, são mundos que anseio descobrir
e por elas viajo num labirinto curioso, nas novas histórias que me são contadas ou quando essas histórias surgem pintadas num lugar especial dum livro.

Ganhei dislexia as letras,
e as vezes quando palavras surgem aos montes ou saem gritadas,
deixam de ter significado separadas,
significando para mim apenas um turbilhão de emoções disfaçadas em letras sem imaginação.

Sou agora, disléxica por opção,
e por opção certas letras são como minha religião,
a religião das letras que apresentam o poder de salvação
da alma que não se quer exilada, manter-se só e calada.

Cumplicidade

Desse coração cheio,
eu registo, depois da despedida final, tudo o que ficou de ti em mim
Desses sentimentos raros, retiro a importancia de quem és largada ser em mim
Porque só das pessoas que partem, o sentimento delas em nós se torna cumprido

Porque os que estão ainda perto, não nos permitem fazermos deles retrato,
por nos levarem já toda a nossa atenção, são só o momento da presença em si.
E agora quando ouço tuas musicas preferidas, elas escutam meus lamentos e procuram refúgio em mim.
Elas abrem-me portas a uma dimensão intemporal onde existíamos nós ainda pouco cumpridos.

Sou eterna na nossa partilha, de onde eras o único compreensivo de todos
Dos meus fantasmas, sonhos desfeitos e inacabados.
E nessa distância fatal, cumpriste tudo o que foi por nós dito.
Tudo o que nossa ansiosa liberdade junta trilhou para nós a seguir seguirmos.

Que a verdadeira cumplicidade ja guardou morada em nosso peito e dela levaremos agora nosso sustento.
Possa esse ser o alívio de nossos ansiosos tormentos,
e assim é o fim da nossa inquietude jovem, que anseia todos os momentos fugazes possíveis da vida,
que a tua passagem em minha vida ja permitiu que em algum sítio haja um envelhecer feliz.

Thursday, April 18, 2013

Chá das letras




Como mãe, leio e releio tudo o que escrevi
Só para lembrar o que sinto de quem sou em meio a tantas reviravoltas
Acaricio levemente essas lembranças de sentimentos, que ainda tanto trazem alegrias como trazem dor

Cada texto escrito foi escrito com a terna dor do nascimento
Cada texto foi registo de quem eu fui mas não me lembro
Registo de quem eu não sabia que existia naquele dia em que escrevi

Toda a entrega real que faço tem uma dor envolvida que pode ser revivida
E revivo pelo prazer que tenho da dor em reconhecer quem sou

Sem precisar lembrar deixo o que lembro passar por mim
E deixo esse vulto externo contar sua história e sua razão mesmo que esteja já adormecida e deliciada em mim
Sem saber onde estou deixo-me possuir por velhos sentimentos tão distantes da vida que é viver.


Mas se a vida não são as histórias que se contam e recontam em nós mesmos
É bom que sobre muito tempo para receber esses velhos vultos de sentimentos
É bom, quando sobra tempo para ouvir secretamente essas suas queixas mesmo quando calmamente sentada, ou bebendo um chá.
É bom, quando sobra tempo para deixar escorrerem-se suavemente pelos dedos,

E deixar escritas aparecerem sozinhas num qualquer papel, que já surge tingido.

Wednesday, April 17, 2013

Longe do céu



Enquanto andas perdido entre espelhos
Ando eu as voltas num íntimo mar de mim

 Enquanto andas tu sobre a alegre luz do dia
Ando eu escavando em meu peito marcas antigas para saber quem sou

 Porque no dia em que te vi foi o passado que me revisitou
Porque o dia em que me viste o dia sem querer parou

 E desse dia entrelaçaram-se anos
Restaram anos não reconhecidos de ti
Os mesmos anos que em mim ficaram bem guardados pela tua ausência

Porque aquele dia em que nos vimos foi o passado levantado de sua campa.
Foi algo de antes de nossa vida que por nós se reviveu
E tu negaste como alguém cobarde de reconhecer quem é onde não conhece
E eu afirmei como ingénua moça cuja força de sua própria voz desconhece

 Mas fui eu que matei-te num passado que tu e eu escolhemos esquecer
Foste tu quem me mataste num presente em que escolheste ser distância

Mas se em meu peito ainda morar restos de ingénua intuição
Juro que se quiseres te levarei a esse passado quase apagado pelo tempo
Pois foi com teu olhar que dele me lembraste naquele simples dia

E foi do meu ventre que naquele momento ele quis voltar a nascer
E fizeste-me com dor, mulher,
Fizeste-me lua quando reconheci de onde vinha minha própria escuridão.

Coraste-me com meu próprio amor que te dei,
Mostrando com lágrimas minhas que nunca de mim própria poderias salvar

 E só por ti, sou mais de mim do que queria
Só por ti, quero salvar meu peito e novamente noutra vida entrega-lo só a ti.

Neste amor de tantas vidas, em cada lembrança do olhar teu, revisito todos os mares navegados do passado
Nesta nostálgica dor da ausência, revisito em meu ser o que sou do que ficou

 E se algum dia teu coração perdido puder novamente reconhecer o meu
Juro, que dessa vez vou manter para mim o segredo do nosso amor encantado
Pois ele só fica bem quando calado quiser cantar o seu pranto

Como as histórias de amor antigo não cabem neste mundo de espelhos e
sonhos vividos quase sempre tão longes do céu.
 

Saturday, April 06, 2013

Animal humano

«A sina humana que de tanto proveito nada sabe,
e de tanto saber nada vive.
Porque nada pode ser realmente compreendido,
nada pode ser realmente incorporado,
sem que isso se torne, para o ser humano que compreendeu,
uma prisão.
E por isso, é preferível não se ter a certeza de nada.
Nada pode ser prazeroso e dar suficiente satisfação,
porque nada é suficiente para saciar o querer.

... O ser humano não se pode agarrar a nada se realmente quizer
felicidade duradoura.
Então, subitamente a vida torna-se num esquecer profundo e
constante de si próprio, numa constante reencontro com a felicidade.
E servir-se a si mesmo passa a ser não alimentar por opção os seus desejos, porque ao alimentá-los se tornaria refem deles e assim toda a sua liberdade e felicidade acabavam.

E dou por mim a observar pessoas numa busca ignorante,
e dou por mim a observar-me numa procura infeliz,
como se o mundo girasse sempre a espera de premios inexistentes.

E afinal ser animal é ser assim,
ser animal é não conhecer-se a si mesmo,
é procurar a ilusão da felicidade exterior,
é não aceitar a satisfação de simplesmente existir,
e de cada vez que surgem infelizes disputas,
é sentir-se satisfeito por ver nessas disputas a sua miseravel manifestação.

O quão longe estamos de viver em alguma pura consciencia, o quão perto estamos do modo como vivem todos os outros animais.
O quão pequenos são os meus anseios mentais comparados com as fundas verdades universais.

O ser humano apenas ao se perder de seus desejos pode realmente se encontrar.» Luna